terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Criado espermatozóide a partir de célula feminina

REVOLUÇÃO NA GENÉTICA
Criado espermatozóide a partir de célula feminina

Cientista obtém gameta masculino imaturo após manipular células-tronco adultas. Brasil consegue avanços na área





Rodrigo Craveiro
Da equipe do Correio

O dicionário Houaiss define pai como “homem que deu origem a outro; genitor; progenitor”. Em sete anos, esse conceito poderá se tornar obsoleto, se depender do geneticista iraniano Karim Nayernia, da Newcastle University (Reino Unido). No dia em que o papa Bento XVI fez uma de suas mais contundentes críticas a questões bioéticas (leia abaixo), Nayernia anunciou ter criado espermatozóides a partir de células-tronco extraídas da medula óssea de uma mulher (veja infográfico). A pesquisa abre espaço para que células-tronco sejam transplantadas em testículos de pacientes estéreis para incentivarem a formação de gametas, mas também favorece lésbicas, que poderiam ter filhos com a carga genética do casal, e mulheres interessadas em produção independente.

“Eu apoio a unidade da família na sociedade”, garantiu Nayernia, por telefone, em entrevista ao Correio, ao ser questionado se sua façanha não minaria a figura paterna. “Não acho que o homem se tornará dispensável, pois a composição familiar, formada por um homem e uma mulher, ainda é necessária para a sociedade”, argumentou.

O iraniano começou a pesquisa em 2004 e, em julho de 2006, conseguiu converter células-tronco retiradas de embriões de ratos em esperma maduro. A fase inicial dos experimentos com células humanas acaba de ser concluída. “Diferenciamos as células-tronco nas chamadas células germinais primordiais. Por sua vez, elas se transformaram em espermatozóides prematuros”, contou o autor da pesquisa.

Nayernia explica que só precisa descobrir células específicas que ajudem os espermatozóides a amadurecer. “Creio que entre sete a 10 anos nossa técnica poderá ser usada no combate à infertilidade”, comemorou. De acordo com ele, um dos focos da pesquisa é propiciar a realização de espermatogênese — produção de espermatozóides — a partir de células da mulher. “A próxima etapa será estudarmos a funcionalidade do processo”, disse. O especialista revelou que o método permitirá que uma mulher se fertilize com espermatozóides retirados de suas células-tronco, sem gerar um clone. “Durante a fertilização haverá uma recombinação genética, o que vai produzir pequenas diferenças”, explicou o iraniano.

Segundo Carlos Gropen Jr., professor da Faculdade de Medicina da UnB e consultor de saúde do Correio, a reprodução com “espermatozóides femininos” geraria apenas mulheres. “A mulher tem cromossomos XX. O que define o sexo do bebê é o espermatozóide. Se ele fosse Y, geraria homem”, sublinhou. Toda mulher tem um cromossomo X de origem masculina, cujos genes codificam proteínas não disponíveis no cromossomo X feminino. “Uma criança nascida dessa forma poderia apresentar problemas mentais e físicos imprevisíveis e representa uma aberração quimérica”, afirmou.

Repúdio

A experiência de Nayernia foi recebida com repúdio pelos ativistas pró-vida britânicos. Josephine Quintavalle, diretora da organização Comment on Reproductive Ethics (Core), acusou o iraniano de ferir as regras da ciência, ao se adiantar sobre pesquisas que não teriam sido publicadas. “Esse estudo distorce o processo biológico natural”, alertou. “No Reino Unido, há a tendência de considerar o homem descartável, substituindo-se o papel do pai por outra mulher.”

Para Josephine, a ciência enfrenta um conflito filosófico e ético. “Ao mesmo tempo em que caminha na direção do determinismo genético, ela afirma que duas mulheres podem ser mães legítimas de uma criança”, observou. Ela lembrou que o Reino Unido tem beneficiado as lésbicas. “O Parlamento aprovou uma lei que descarta a necessidade de colocar o nome do pai na criança.”

Opção contra a infertilidade

De uma parceria da clínica de reprodução assistida do médico Roger Abdelmassih com o Instituto Butantan, em São Paulo, surgiu a transformação de células-tronco embrionárias de ratos machos em óvulos e espermatozóides. A russa Irina Kerkis, autora da pesquisa, explicou ao Correio que isolou células-tronco a partir dos blastocistos — estágio em que o embrião humano se fixa à parede do útero.

“Essas células-tronco cresceram em suspensão. Extraímos da cultura os chamados corpos de embriões, estruturas primitivas que imitam o embrião transplantado. Vimos que na superfície desses corpos de embriões se formavam células germinativas”, relatou Irina. A clínica montou um laboratório de alta tecnologia e contratou três cientistas para impulsionar os estudos.

Irina acha que a pesquisa poderá ajudar a testar tecnologias e medicamentos desenvolvidos para o tratamento da infertilidade, além de possibilitar que casais estéreis concebam filhos.

De acordo com ela, a diferenciação de células-tronco em espermatozóide é uma inovação recente — os geneticistas publicaram o primeiro trabalho em 2003. A cientista considera importante o trabalho do iraniano Karim Nayerna. “Em nossa área, uma pesquisa complementa a outra”, observou. Questionada sobre um prazo para a aplicação clínica de seus estudos, Irina declarou que o uso de espermatozóides artificiais deverá ser mais imediato. “A produção do óvulo vai levar mais tempo. Isso vem da natureza: temos muitos espermatozóides e poucos óvulos”, justificou.

O pioneiro Roger Abdelmassih minimiza discussões acerca do papel do pai no futuro. “Mais do que essa questão sobre mães solteiras, devemos considerar a necessidade de criar técnicas para a solução do casal sem filhos”, defendeu. Na opinião dele, o “desaparecimento” da figura paterna não faz parte do foco da reprodução assistida. “Toda a mulher quer ter um filho do óvulo dela. Se ela optasse por essa técnica de autofertilização, teríamos algo semelhante a união entre irmãos, com risco de malformações congênitas e maximização de doenças encobertas familiares”, alertou.

Abdelmassih acha que não faria sentido para uma mulher ter filho a partir de sua própria genética. “Isso seria uma contradição ética, porque estaríamos caminhando para aumentar uma geração patológica”, comentou. Ele ressaltou que a medicina avança para resolver problemas globais. “Queremos transplantar células-tronco do próprio homem para diferenciar espermatozóides nos testículos humanos”, concluiu. (RC)

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Papa cobra valores

O papa Bento XVI voltou ontem aos tempos de cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Durante reunião com os participantes da assembléia geral daquela instituição, o pontífice os “convidou a seguir com atenção particular os problemas difíceis e complexos da bioética que interessam aos setores mais vastos da sociedade”. Segundo o líder religioso, o “Magistério da Igreja não pode nem deve intervir em cada descoberta da ciência, mas tem o dever de lembrar os grandes valores em jogo”. Com citações explícitas, ele condenou com veemência “práticas que superam as barreiras impostas para a salvaguarda da dignidade humana, como o congelamento de embriões humanos, o diagnóstico pré-implantatório, as pesquisas com células-tronco embrionárias e as tentativas de clonagem”.

“Quando os seres humanos são selecionados, abandonados, mortos ou utilizados como um simples ‘material biológico’ , como negar que não são mais tratados como ‘qualquer um’, mas como ‘qualquer coisa’? Isso coloca em questão o próprio conceito de dignidade humana”, afirmou Bento XVI. Consultado pelo Correio, o reverendo irlandês Vincent Twomey, ex-aluno de Ratzinger, destacou que a bioética envolve decisões morais e não apenas científicas. “Como todo ser humano, o cientista deve agir com parâmetros morais que definam nossa humanidade, não podem fazer o que quiserem”, opinou. Twomey lembrou que o nazismo é cheio de “coisas terríveis” feitas pela ciência. “A Igreja tem a obrigação, dada por Deus, de se expressar sobre assuntos morais envolvidos na biotecnologia”, concluiu. (RC)

fonte: e-mail Dra. Damares Alves

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